quinta-feira, agosto 26, 2004

Se Isto É Um Homem

A França celebrou ontem o 60º aniversário da libertação de Paris do domínio nazi. Já não é a primeira vez que dou para mim a pensar que toda aquela barbaridade da II Grande Guerra Mundial não foi assim há tanto tempo. Nascido em Portugal, no início da década de 80 do século passado, penso estar longe (felizmente) de saber o que foram aqueles anos de desgraça. O acaso de ter nascido num aniversário do Dia D, fez com que tivesse sempre uma especial curiosidade por essa página negra da história mundial. Mais ainda quando, no meu dia-a-dia, me vou apercebendo que o meu pai teve o triste fado de ter participado, ele próprio, numa guerra (acreditem que a guerra deixa marcas em todos): a estúpida guerra colonial!
Há alguns anos li um livro fantástico (que aconselho a todos, não sem antes avisar que se trata de um texto sentimentalmente pesado): «Se Isto É Um Homem» de Primo Levi. É o relato de um sobrevimente do campo de concentração de Auschwitz. Relato frio, realista (tão realista quanto poderá ser a visão de apenas uma das partes) ... tão frio e seco que, por muitas vezes, é insuportavelmente cínico. Durante a leitura, acompanhou-se sempre a sensação: "ok, agora não é possível descer mais baixo". Puro engano, havia sempre mais alguma barbaridade para descrever. Todas com o intuito de diminuir a níveis indetectáveis a dignidade humana. Logo nas primeiras páginas pode ler-se uma estatística que nos deixa em sentido: "(...) Entre as quarenta e cinco pessoas do meu vagão, só quatro voltaram a suas casas; e foi de longe o vagão que teve mais sorte." (eram 12 vagões: 650 pessoas).

"Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais forças para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara" («Se Isto É Um Homem», Primo Levi)

Dá que pensar. Afinal tudo isto não foi assim assim há tanto tempo...

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